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“Georges Dandin ou le mari confondu” é uma peça em três atos.
Escrita por Molière, estreou no Palácio de Versalhes em 1668 e, na ocasião, foi vista por um público de 3 mil pessoas, incluindo Luís XIV e os seus convidados.
O Teatro da Rainha propõe uma apresentação da peça nos Jardins de Mateus.
"Esta peça tem dois protagonistas — um contra-senso —, embora o título seja “Jorge Patego”. Na verdade, o protagonista é uma dupla, uma verdadeira unidade de contrários, um “casal” impossível à luz das aspirações de uma e de outro — no entanto, pela via da sobrevivência de uma classe arruinada (pequena nobreza provinciana) e do desejo de estatuto de outra, entretanto ascendida (burguesia rural nova rica), o encontro dá-se sob a forma de negócio e alguma diplomacia.
O que importa reter é que a luta de classes, que fabrica um momento de conciliação no casamento, é uma luta entre duas “culturas” inconciliáveis. E isso nos modos formalizados de trato a que Patego é obrigado pelos sogros, mas sobretudo, de modo demonstrativo na peça, na irredutibilidade da posição “feminista” de Angélica em contraponto com a resiliente obsessão de Patego em selar a sua ascensão e proclamá-la — de bandeira passa a paranóia durante a peça, o seu “erro” persegue-o, parte-o ao meio: «mais valia ter casado com uma camponesa», pois em caso de infidelidade «dar-lhe umas pauladas» seria legal.
Num tempo em que o direito à escolha, exercer o que se sente em matéria de comércio amoroso, é prática emergente mas não um direito, imperava a justiça patriarcal e o feudo — ela é propriedade do pai, como os servos da gleba, no seu caso a utilidade é casar e dar varões — Angélica desobedece a todos os códigos, aos dos pais beatos e aos do marido proprietário. Vendida a Patego, ela será uma “escrava” de luxo, uma esposa, um brasão a ostentar como qualquer aquisição. O que faz uma esposa na perspectiva de Patego? Fecha-se em casa, é submissa e sorri ao “dono”. Para Patego importa que à riqueza recente junte uma aparência que vai “comprar” justamente no teatro de aparências adversárias. O ascendido combate o poder anterior ao mesmo tempo que é seduzido pelo tipo de vida “requintado” (caçar lebres?) destes — contradição interior e mortal. Hoje, a pequena burguesia universal (Agamben) é seduzida pelo estilo de vida multimilionário das celebridades em espectáculo na prateleira planetária, ser fã é uma fé e o respectivo ícone um modelo. Esse “fim da história” fake começava aqui, nestas vidas que dependiam já de estratégias da “imagem” como renda. No caso, o desejo aristocrático do novo-rico termina em tragédia.
Muitas outras dimensões, exteriores e temáticas, interiores e estruturais, formais, tem esta peça, uma comédia negra, uma comi-tragédia.
O que é explosivo e anuncia tempos futuros são os enfrentamentos duros com os sogros, acusando-os de oportunistas e com a demoiselle chamando-a ao dever de ser fiel em toda a linha, essa vocação canina. Esses conflitos que aqui ainda implodem anunciam os tempos actuais, a luta entre o feminismo libertário e o machismo proprietário, entre a menina “frívola” e o “empreendedor” de sucesso.
Dizer ainda que neste Molière a Commedia d’el Arte está ainda muito presente, geneticamente, numa osmose e equilíbrio notáveis com o teatro de texto, de ideias: o confronto feito teatro, expresso no tribunal da cena, entre as duas perspectivas enunciadas."
FERNANDO MORA RAMOS
encenação e cenografia
Jorge Patego Georges Dandin, ou le mari confondu de Molière
Encenação e Cenografia
Fernando Mora Ramos
Desenho de Luzes
Hâmbar de Sousa
Desenho de Som
Francisco Leal
Interpretação
Fábio Costa (Jorge Patego)
Mafalda Taveira (Angélica)
José Carlos Faria (Senhor Vilar de Tolos)
Isabel Lopes (Senhora de Vilar de Tolos)
Hâmbar de Sousa (Clitandro)
Beatriz Antunes (Claudina)
Nuno Miguens Machado (Manhoso)
Tiago Moreira (Perdigoto)
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